quinta-feira, 20 de maio de 2010

Conto urbano


" Estava extremamente nervoso, era exatamente um dia antes de entregar meu relatório sobre pesquisas que andei fazendo para defender minha tese. Não sabia o que fazer, até que me lembrei que o bar em frente ao meu apartamento, no velho centro de São Paulo, ficava aberto a noite toda. Fui comprar uma tequila para me acalmar.
Por incrível que pareça, nunca fui muito de beber antes de me mudar para São Paulo, porém essa vida animalesca de competições e prazeres me levou ao grande desejo pelo álcool e me apaixonei por ele. Ficar bêbado é meu segundo grande prazer, depois do sexo, pois nada supera um par de seios dançantes e, bom, melhor encerrar por aqui.
Voltei para casa com uma garrafa e um maço de cigarros, e comecei a refletir sobre a minha vida, no qual achava (e acho) um lixo, mesmo tendo dinheiro para fazer todas as coisas inúteis, menos do ponto de vista nobre e intelectual, que quero. Após alguns copos e cigarros, me lembrei dos meus tempos de faculdade, das garotas com quem fiquei, mas não senti nada quanto a essas recordações. Nenhuma saudade ou afetividade, somente um sentimento de lembrança do prazer momentâneo naquele passado remoto, tal como um animal que se lembra do prazer de um agrado do dono. É, concluí que me sentia vazio, apesar de já saber que era um ser vazio. Precisava de alguma mulher para disfarçar isso naquela noite.
Saí, isso já era por volta das duas e meia da manhã, em busca de alguma nobre prestadora de serviços aos carentes de afeto. Andando, vejo uma garota pálida saíndo de um bar; cabelos negros, um bom corpo, rosto bonito mas, não me parecia uma prostituta. Seus olhos eram enigmáticos, me atraiam, então comecei a seguir seus passos. E como ela era rápida!
De repente ela olhou para trás e desapareceu. Eu, como uma pessoa normal, fiquei, para não dizer outra coisa, tremendo de medo com aquela cena. Como uma mulher daquelas pode sumir de repente? Só podia ter bebido muito!
Fui voltar para minha casa. Abri as portas, acendi as luzes e fui me deitar, porém para minha surpresa encontro aquela mesma mulher deitada em minha cama me seduzindo. Minha primeira reação foi sair correndo, lógico. mas havia algo naquela mulher de tão atraente, que não pensei duas vezes em ir me deitar com ela. Sexo com uma assombração? É realmente o que a tequila e a líbido não fazem, (e que pele gelada ela tinha!)
Quando acordei, estava só no meu colchão, nu e atrasado para o trabalho.Pensei que tudo isso deveria ser um sonho de bêbado, e até hoje considero essa hipótese. Me troquei correndo e fui tomar um cafézinho na padaria da esquina. Chegando lá, para a minha surpresa, estava aquela mesma mulher sentada, tomando um copo de leite mas, com um mero detalhe que me desesperou: estava com uma barriga de uma grávida de 9 meses. Não tive nenhuma opção, se não correr. Como poderia transar com um cadáver e ainda por cima essa carne sem alma ficar grávida de um filho meu? Será que era alma de alguma prostituta me assombrando pelas tantas que já fiquei em minha vida? Enfim, todo lugar que ía, aquela maldita aparecia e ainda gritando se eu não iria assumir aquele filho morto dentro daquele ventre pútrido! O pior é que eu já tentei matar essa peste, mas como nos filmes de terror que tanto gostava, ela não morria e nem o bebê. Nada funcionava.
Com esse relato, espero que compreendam o porquê de minha morte, pois 6 meses de perseguição por um cadáver esperando um bebê seu e exigindo que eu assumisse o filho é algo insuportável."

Esse texto foi uma psicografia de Joaquim de Oliveira Santos, 40 anos, para a família do interior de São Paulo que buscava explicações sobre sua atitude. Se matou no dia 10/05/2010. Sofria de alucinações agudas e tinha uma baita de uma depressão. Vivia sozinho, era alcóolatra, um "nerd" vagabundo, sarcástico, nunca amou, nunca teve filhos, era intelectual e mais um morador qualquer no centro de São Paulo.
É, não é todo mundo que aguenta essa selva de pedra.

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