segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Lobos Urbanos


O que os olhos observam
é o que o coração sente.

Ela andava por São Paulo.

Nos tropeços mais apressados,
em ritmos descompassados...
Suas lágrimas escorriam,
seu medo a engasgava,
gritos mudos ecoavam
de sua fina e seca boca...

Ela caia em São Paulo.

Com as pálpebras fechadas,
com a pele ensanguentada.
Como uma bailarina cai no palco
delicadamente envergonhada.
Com a carne se quebrando
e sua honra estilhaçada.
Pois perante ao olfato dos lobos
a vida não é nada, nada, nada,...

Ela morria em São Paulo!

Junto com sonhos desperdiçados
e memórias tristemente escassas.
Agonizava como uma barata,
como caça a ser devorada,
sendo constantemente observada,
pela alcateia urbanizada...

Após os uivos silenciarem
foi olhando para seu rosto
que olhei por seus olhos
e não os compreendi.
Apenas neles me perdi,
enquanto tocavam minha alma,
cujo maior amor se limitara
a um copo qualquer de whisky.
De lobo passei a homem
e percebi claramente
que os olhos não explicam
o que o coração entende.

Ela me mudou em São Paulo.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Guerreiro Errante


Por que em vez de ver, eu sinto?
Por que se penso, uso o instinto?
Por que quando eu rimo, eu minto?
Hipócrita sou, frágil sempre serei,
buscando números que comprovem os fatos,
continuo acreditando nos meus ideais:
finos; fracos que se quebram no simples tocar
e somem subitamente quando paro de imaginar.
Eu, prostituto de minhas convicções,
sei que não tenho forma, nem cor,
nem mesmo um rastro de sombra.
"Uma mentira que cria uma mentira",
é isso o que sou, um nada no nada e,
sendo nada, não posso admitir,
que não obstante amante da ilusão,
em mim reina constante um guerreiro errante,
que encrava em si próprio uma lança,
rasgando com prazer sua maldita carne.

domingo, 1 de agosto de 2010

Sádica Memória


Disseca-me:
aponte minhas falhas.
Entrega-me:
sua dor, sua raiva.
Sustente:
seu ódio pela minha existência.
Concentre-se:
nos meus pontos fracos.
Finja:
que você está certo.
Devora-me.
O sangue escorre pelos dentes.
As cenas passam rápido.
Mas não, eu nunca desapareço.
Culpe-se, julgue-se:
mas seja hipócrita.
Cumpra:
o seu pobre papel social.
Ignore:
que você é um animal.
Morra:
sem saber o que é.
Me ignore,
mas nunca se esquecerá
de todos os dias que eu voltei,
te torturei e te possui.

sábado, 10 de julho de 2010

Mundo ideal ou mundo real?


Eu danço no jardim da ternura,
onde ouço cantos profanos e animalescos,
mas doces e cheios de melodia.
Cores em flores que nunca vi antes.
Frequências inexistentes
que se conectam aos meus sentidos.
O sofrimento ainda existe,
mas sua importância não é a mesma.
Eu me apunhalo e não sofro.
Eu sangro mas não grito.
Eu apenos compartilho meus elementos.
O que eu sou faz parte de tudo.

Mundo ideal:incerto.

Então acordo e ouço moscas,
zumbindo de forma impetuosa nos meus ouvidos.
Há algum cadáver por perto.
Sempre há um cadáver por perto.
Vejo olhos vermelhos e cansados
perambulando no meio de luzes,
em uma velocidade caótica,
no qual tudo está cronometrado.
Meus passos, minhas atitudes,
minha vida e minhas escolhas,
tudo escrito, tudo ordenado,
tudo estritamente cronometrado.

Mundo real: paranóia.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Contato humano


Tudo o que nos toca é incerto.
Sejam suas palavras,
seja o sexo.
Seja a paixão
no toque, no hálito.
Tudo o que te toca
deixa de ser hábito.
De necessidade se torna essência,
porque o corpo é quente
e o ser humano é feito de vida,
que é feita de chama.

E eu preciso suspirar
para sentir.
E eu preciso chorar
para sentir.
E eu preciso sorrir
para sentir.
E eu preciso te tocar para sentir
a coneção sem significado
ligando nossos corações,
ao que somos e ao que seremos,
ao que eu sou e ao que serei,
em um breve momento no espaço;
contrastando com a grande,
mas também insignificante,
condição de ser humano.

domingo, 23 de maio de 2010

Rosa, doce e amarga


O melhor momento de minha vida
foi quando a senti nos meus braços
doce e versátil, segura e envolvente.
Me seduziu a tal ponto de que
mesmo não a amando profundamente,
me apaixonei pelo o que fez comigo.
Seu corpo de seda, Rosa, flor de pecado,
tem um gosto doce, mas amargo,
e o tom certo do vermelho dos seus lábios,
faz com que mesmo que não a ame,
você se torne única.

Eu tenho pena de você, Rosa,
seu corpo me fascina, seu jeito,
mas o seu veneno me mata.
Sua alma está ferida pela dor
causada pelos seus próprios espinhos.

Ah, doce Rosa, graça e pecado,
todos admiram a sua beleza,
mas quando irá parar de se auto-flagelar?
Quando acabará com o papel de vítima?
Sendo que a grande causadora do mal
é você, só você, amarga e seca Rosa.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Conto urbano


" Estava extremamente nervoso, era exatamente um dia antes de entregar meu relatório sobre pesquisas que andei fazendo para defender minha tese. Não sabia o que fazer, até que me lembrei que o bar em frente ao meu apartamento, no velho centro de São Paulo, ficava aberto a noite toda. Fui comprar uma tequila para me acalmar.
Por incrível que pareça, nunca fui muito de beber antes de me mudar para São Paulo, porém essa vida animalesca de competições e prazeres me levou ao grande desejo pelo álcool e me apaixonei por ele. Ficar bêbado é meu segundo grande prazer, depois do sexo, pois nada supera um par de seios dançantes e, bom, melhor encerrar por aqui.
Voltei para casa com uma garrafa e um maço de cigarros, e comecei a refletir sobre a minha vida, no qual achava (e acho) um lixo, mesmo tendo dinheiro para fazer todas as coisas inúteis, menos do ponto de vista nobre e intelectual, que quero. Após alguns copos e cigarros, me lembrei dos meus tempos de faculdade, das garotas com quem fiquei, mas não senti nada quanto a essas recordações. Nenhuma saudade ou afetividade, somente um sentimento de lembrança do prazer momentâneo naquele passado remoto, tal como um animal que se lembra do prazer de um agrado do dono. É, concluí que me sentia vazio, apesar de já saber que era um ser vazio. Precisava de alguma mulher para disfarçar isso naquela noite.
Saí, isso já era por volta das duas e meia da manhã, em busca de alguma nobre prestadora de serviços aos carentes de afeto. Andando, vejo uma garota pálida saíndo de um bar; cabelos negros, um bom corpo, rosto bonito mas, não me parecia uma prostituta. Seus olhos eram enigmáticos, me atraiam, então comecei a seguir seus passos. E como ela era rápida!
De repente ela olhou para trás e desapareceu. Eu, como uma pessoa normal, fiquei, para não dizer outra coisa, tremendo de medo com aquela cena. Como uma mulher daquelas pode sumir de repente? Só podia ter bebido muito!
Fui voltar para minha casa. Abri as portas, acendi as luzes e fui me deitar, porém para minha surpresa encontro aquela mesma mulher deitada em minha cama me seduzindo. Minha primeira reação foi sair correndo, lógico. mas havia algo naquela mulher de tão atraente, que não pensei duas vezes em ir me deitar com ela. Sexo com uma assombração? É realmente o que a tequila e a líbido não fazem, (e que pele gelada ela tinha!)
Quando acordei, estava só no meu colchão, nu e atrasado para o trabalho.Pensei que tudo isso deveria ser um sonho de bêbado, e até hoje considero essa hipótese. Me troquei correndo e fui tomar um cafézinho na padaria da esquina. Chegando lá, para a minha surpresa, estava aquela mesma mulher sentada, tomando um copo de leite mas, com um mero detalhe que me desesperou: estava com uma barriga de uma grávida de 9 meses. Não tive nenhuma opção, se não correr. Como poderia transar com um cadáver e ainda por cima essa carne sem alma ficar grávida de um filho meu? Será que era alma de alguma prostituta me assombrando pelas tantas que já fiquei em minha vida? Enfim, todo lugar que ía, aquela maldita aparecia e ainda gritando se eu não iria assumir aquele filho morto dentro daquele ventre pútrido! O pior é que eu já tentei matar essa peste, mas como nos filmes de terror que tanto gostava, ela não morria e nem o bebê. Nada funcionava.
Com esse relato, espero que compreendam o porquê de minha morte, pois 6 meses de perseguição por um cadáver esperando um bebê seu e exigindo que eu assumisse o filho é algo insuportável."

Esse texto foi uma psicografia de Joaquim de Oliveira Santos, 40 anos, para a família do interior de São Paulo que buscava explicações sobre sua atitude. Se matou no dia 10/05/2010. Sofria de alucinações agudas e tinha uma baita de uma depressão. Vivia sozinho, era alcóolatra, um "nerd" vagabundo, sarcástico, nunca amou, nunca teve filhos, era intelectual e mais um morador qualquer no centro de São Paulo.
É, não é todo mundo que aguenta essa selva de pedra.